sábado, 1 de novembro de 2014

A banalidade do Presente - o testemunho de um viajante do tempo



O Presente é aborrecido e, como se não bastasse, quase vulgar.
Mas não pensem que falo dos acontecimentos que são actualmente noticiados que, embora sejam sempre inesperados, tendem a seguir certos padrões. A situação que presentemente se passa na Ucrânia é um dos melhores exemplos, lembrando o xadrez político jogado entre o Ocidente e o Leste durante a Guerra Fria, algo que pensava que nunca iria viver. Diabos, até eu escrevi algo semelhante meses antes desta crise começar.
Não, falo em algo mais como isto.
 

  Acredito que vos seja familiar, trata-se de um telemóvel com touch screen, corre android e a única coisa que tem de especial é ter wifi. 40€. Com 3 anos de idade, pode ser classificado como básico, um telemóvel que dificilmente iria conseguir vender em segunda mão. Mas vamos recuar 10 anos, 2004, ou até antes para o tempo em que o clássico Nokia 3310 batia recordes de venda tornando-se no "modelo T" dos telemóveis. 
 Toda a gente tinha um ou conhecia alguém que o comprara. Na altura a possibilidade de ter um “smart phone” na mão era algo extraordinário... e eu concordo! No entanto termos chegado a este ponto em que se tem praticamente um computador de bolso, é algo que não me surpreende ou sequer me apanhou desprevenido. E, por favor, não pensem que é cinismo da minha parte. Passo a explicar.
Este foi o meu primeiro telemóvel (motorola w375) comprado apenas em 2007. 
Nunca gostei de telefones, pessoalmente, e há muito que sentia pressões familiares e de amigos para estar contactável. E provavelmente iriam continuar se este modelo não tivesse saído mais cedo. Acreditem que não foi por acaso que comprei um telemóvel de abrir com este desenho. Como tudo na minha vida, comprei-o porque era algo com que me identificava, com um significado que ultrapassava a simples definição de ser apenas um "telemóvel".
Isto era a concretização de algo previsto há quase 50 anos, que todo os Trekkies esperavam quando o "Caminho das Estrelas" estreou pela primeira vez na CBS em 1966. Na série, os elementos que partissem em qualquer missão de exteriores levava equipamento diverso incluindo um intercomunicador que permitia manter o contacto entre si e a nave. 

Aberto estava ligado, fechado em espera. Sem cabos e com uma autonomia indeterminada, possuía uma área de recepção que dependia de condições externas. Familiar, não é? Mas se pensam que é apenas uma coincidência, vejamos outros exemplos. 


Num mundo em que computadores ocupavam andares inteiros, com baixo poder de processamento e em que a informação era carregada em bobines, temos em "Caminho das Estrelas" o "irrealismo" de consolas pessoais com capacidade de processar imagem, som e vídeo em tempo real, não muito diferente das "torres" que tanto orgulho tínhamos nos anos 2000.
  
E de que forma era transportada a informação, poderão perguntar? Em simples K7's que se ligavam fisicamente às consolas. Vocês sabem... Nada parecido com as nossas disquetes de 3"½ polegadas ou pens usb... 


 Creio que estão a ver para onde isto vai...

 Quem me conhece sabe que eu dedico grande parte da minha vida à ficção científica, não pelas razões que possam pensar; interessa-me ver algo mais do que explosões e efeitos especiais feitos em computadores de última geração.
De qualquer forma não é de admirar que quando a RTP2 exibiu nos fins dos anos 90 o "Caminho das Estrelas: A Geração Seguinte", eu a seguisse religiosamente. Era a primeira época, exibida originalmente em 1987. Naquele contexto tinham decorrido 80 anos desde da série original, com cada episódio a passar-se em parte a bordo da Enterprise-D. O que nos esperava no seu interior poderá surpreender-vos. Em todas as consolas de trabalho, tudo o que era botão tinha sido substituído por superfícies sensíveis ao toque, sendo a informação mostrada em ecrans lisos.


 

A nível mais pessoal, qualquer tripulante tinha acesso livre a todo o conhecimento da Federação de forma imediata no conforto do seu portátil. 


  Mas mais curioso é ver como a informação era passada entre a tripulação: 



E interessante ainda é o nome dado a esse dispositivo: PADD. Portanto, perdoem-me a minha falta de entusiasmo quando me mostram o vosso novo tablet, já os "vejo" há uns 15 anos...

Em termos de Robótica, começamos a ver a artificialização de serviços casuais principalmente no Japão. 


 Ainda vão passar-se décadas até se conseguir desenvolver algo semelhante a um cérebro positrónico, mas vejam o que Isaac Asimov a dizer sobre o assunto e ficarão espantados. Não por ser surpreendidos mas sim pela falta de surpresa, e de seguida vejam em que ano "Robot Completo" foi escrito...


Só espero que nessa altura se lembrem das 3 leis da robótica, ou arriscamos-mos a um Apocalipse Cameronesco. 

 Ou talvez mereçamos esse tratamento se começarmos a tratar seres mecânicos conscientes como cidadãos de segunda.

Verdade, em "Exterminador Implacável", os robots são o braço armado da Skynet e não têm autonomia "per se". E como estamos actualmente em termos de inteligência artificial? Nas palavras do divulgador científico Dr. Michio Kaku temos o equivalente a "uma barata bastante parva". Ridículo, eu sei; mas não tanto se considerarmos que há uns 100 anos o conceito de IA também o era. A criação de uma unidade HAL9000 não será assim tão absurda quanto isso. 
 E não, não estaremos vivos para testemunhar esse tipo de sofisticação, por isso minha palavra vale o que vale. No entanto, sem sair de "2001: Odisseia no Espaço", posso dar-vos um exemplo que me dará alguma credibilidade, pois tanto no filme "2001" como no ano de 2001 temos o maior satélite artificial em orbita da Terra sob a forma de uma estação espacial, ambos resultantes de uma cooperação internacional, ambos locais de ciência, ambos semelhantes em praticamente todos os aspectos. O livro foi publicado há 45 anos...
 Agora é a altura em que podiam perguntar: "Se és tão esperto, porque não dizes o que vem a seguir?" E até poderia contar-vos como exteriormente o mundo tornar-se-á irreconhecível aos olhos daqueles que nasceram no final do século XX, com a excepção de alguns monumentos que serão preservados pela sua importância histórica; e de que forma essa mudança já está a acontecer.


 E não será apenas fisicamente ou arquitecturalmente que o planeta nos será estranho, pois até o conceito de realidade será posto em causa quando a forma de a percepcionar foi para além dos nossos limites orgânicos. Esse será o derradeiro marco no que toca à modificação do corpo humano. 

Os primeiros sinais já começaram a aparecer, é apenas uma questão de serem interpretados...

Mas não o farei por vocês e eis porquê: existe uma razão muito simples porque tudo o que inicialmente não passava de ficção científica acabe por se tornar realidade. Toda a escrita e toda a ciência têm uma base em comum, a imaginação humana. É o inconformismo, a capacidade de criar, de ver para além do banal que motiva o progresso científico, que torna possível que qualquer tecnologia passe de uma impossibilidade para algo especulável e eventualmente em facto. Algo admirável, creio que toda a gente irá concordar comigo, mas é também a sua maldição por já o vimos "acontecer." Com a curva de ficção científica para especulação tecnológica e for fim realidade cada vez mais evidente, também vai começando a desvanecer-se toda a magia e encanto que possamos ter por estas novas maravilhas tecnológicas e avanços científicos, apesar de todo o mérito que possam ter e merecer.
E isso, meus caros amigos, é um sentimento que não desejo a ninguém...